A MAIS PROFUNDA ORAÇÃO

 

Conta-se que alguém perguntou à Madre Tereza de Calcutá:
O que a senhora diz para Deus em suas orações?
– “Nada, eu só escuto”, respondeu ela.

E o que Deus diz para a senhora em suas orações?

– “Nada, ele só escuta”.

Essa é a verdadeira e mais profunda dimensão da oração: uma experiência de presença e de comunhão que transcende a tudo”.

Pergunta: Desde que eu era uma garotinha, eu fui criada como católica. Apesar disso, eu tinha uma grande tendência em negar Deus, em não acreditar na existência de Deus. E agora, graças a tudo o que você vem ensinando e compartilhando, sei que existe uma presença: sinto que uma quietude está aqui, a Consciência está aqui. Mas eu tenho o pensamento “por que devo orar?” Pois, se Deus é onisciente, onipotente, todo-amoroso, e assim por diante, não acho que Ele/Ela precisa de mim para dizer: “psiu, ei! Meu amigo está morrendo de câncer, você pode ajudá-lo?”. Não acho que seja necessário, mas eu gosto de rezar. Eu adoraria ouvir seus pensamentos, o que seria adequado para orar? Você acredita na oração?

Eckhart Tolle: Talvez você possa aprimorar as suas orações de súplicas (“por favor me conceda isto ou aquilo”) para transformá-las em “pequenos indicativos mentais”, visando a paz, por exemplo. Esses pequenos indicativos mentais (oração que lhe estou sugerindo) ainda se valem dos conceitos, porque toda oração consiste de palavras e conceitos – para apontar, indicar, e assim ajudá-lo a ir além dos conceitos. Você poderia fazer, por exemplo, uma afirmação – como fez Jesus, quando disse: “eu sou a luz do mundo”. É uma afirmação; é um conceito que aponta para uma realidade muito mais prifunda que a das palavras. Se você ainda quiser pedir algo, então você poderia dizer algo como: “por favor, seja-me revelado que eu sou a luz do mundo”. Usualmente, as orações comuns implicam em dualidade. Elas sugerem um Deus que está lá, ao passo que aqui estou eu, rogando a Deus. Tal dualidade é, em última análise, uma ilusão, porque a verdade é que você é uma expressão de Deus, do próprio Deus. Deus e você se fundem, vocês estão misturados. Assim, as orações de súplicas, que sugerem dualidade, não são as formas mais profundas de orar.

A oração mais verdadeira acontece quando você adota a atitude de ouvir, em quietude, ao invés de proferir palavras. Enquanto você gostar de rezar assim, está ok. Mas, gradualmente, comece a cessar de pedir a alguém para que faça algo para você, porque isso a mantém presa na dualidade.

Afirmações assertivas, se feitas corretamente, podem atuar como belos substitutos para as orações que comportam dualidade. Afirme: “Eu estou curado e completamente em paz”. Após isso, deixe haver espaço, permita que o espaço entre e atue. Apenas o “campo” sem forma do puro espaço. E descanse nesse estado. Realmente, a inteligência e o poder residem nesse espaço. Nesse estado de espaciosidade, a sua experiência é a de que você já é o Todo – inteiro, pleno, completo. A forma externa pode lhe sugerir que você seja algo diferente. “Eu sou um ser santo”, diz Um Curso em Milagres. Isso é o que você É, então é apenas uma questão de afirmar algo que você já é.

Você pode curar uma pessoa – quer a pessoa doente esteja ao seu lado, quer ela esteja distante e lhe venha à mente. A mais poderosa maneira de curar, no meu entender, é manter consigo a imagem da pessoa e mover-se profundamente para dentro de si, onde se encontra a Totalidade da Vida. Onde absolutamente nada é necessário, onde nada pode ser acrescentado. Nesse lugar profundo onde está a Totalidade da Vida, você contata também a totalidade daquela pessoa – ela já está curada/inteira nesse nível mais profundo, além da forma. Então, seguindo esse método, você parte da forma e se move para a dimensão da não-forma.

Essa é a cura que era praticada por Joel Goldsmith. Ele tem um livro fascinante chamado “A Arte de Curar Pelo Espírito”. Realmente, trata-se de não se ater por completo às condições (do mundo da forma) que precisam ser melhoradas, mas concentrar-se na realidade essencial de que o ser humano é um com a própria Realidade Essencial, e entrar na profunda quietude onde nada é necessário. Goldsmith costumava receber telefonemas, às vezes no meio da noite. Eram de pessoas que necessitava desesperadamente de uma cura; elas, então, diziam a ele os seus nomes e do que estavam sofrendo. Imediatamente, em seguida, ele largava do telefone e adentrava num estado absoluto de não-pensamento. Por um momento, ele ouvia o nome da pessoa, ele ouvia o que estava errado com elas, e imediatamente deixava inteiramente de lado tais informações/pensamentos. Ele, então, por dois ou três minutos, entrava em um estado de não-pensamento – um estado de absoluta presença. Existe uma perfeição absoluta no reino da não-forma. E essa perfeição absoluta é a essência da pessoa que, no nível da forma, necessita da cura. Então, você conduz a forma para a dimensão da ausência de formas, um espaço onde as formas não são. Nenhuma condição a ser tratada, onde nada jamais é necessário – apenas vá para dentro desse espaço. Essa era o seu modo de curar as pessoas. Ele foi um curador bastante poderoso. Essa é a última e mais elevada forma de cura, e que é realmente o tipo não-dual de oração. Nela, você vai além da oração, na qual diz: “Por favor, Deus, cure o fulano!”. Você penetra e contata a própria Fonte, que é inseparável de quem você é, e que é inseparável de quem é essa pessoa.

A oração pode converter-se gradualmente em uma atitude de escuta. Qual é o significado de “ouvir”? Ouvir significa que há um campo nú, “vazio”, de pura atenção, o qual é percebido quando despido das projeções dos pensamentos. Nesse campo, você percebe a inocência, a pureza, a simplicidade e inculpabilidade de todas as coisas. Permanecer nesse campo é o que significa a atitude de escuta. Não significa que você esteja esperando por alguma resposta, porque então você não estará realmente ouvindo. Na escuta você absolutamente não espera por nada – há apenas um campo de atenção pura. Essa é uma oração muito mais profunda do que com qualquer palavra proferida. Não há sequer o desejo de que a oração seja atendida, ou obter uma resposta. Estar em silêncio é o bastante.

Quando está escutando, você não está esperando por nada – há somente um campo de pura atenção.

Essa é uma forma de oração muito mais profunda e muito mais verdadeira do que qualquer palavra é capaz. A verdadeira oração acontece naquele ponto onde a própria oração também se converte em meditação: ela é ambas. Ela não espera por respostas, estar em profundo silêncio é um estado de graça, e isso é o bastante. Algumas vezes a resposta surge; algumas vezes, também, de repente, as coisas apresentam-se solucionadas. Ouça isto: quando surgir qualquer problema pertencente a este mundo, qualquer distúrbio – e eles acontecem o tempo todo envolvendo: pessoas ao seu redor, perturbações na mente, etc. -, apenas vá para o estado de “escuta”, de pura atenção, de pura consciência, no qual você se torna ciente da presença. O ato de escutar a presença é uma maneira poderosa de falar sobre ela e transmiti-la.

Quando você está presente, é como se você estivesse em um estado de escuta. É importante dizer, contudo, que o termo “escuta” tem sido usualmente associado com o sentido físico da audição. Mas, aqui, o termo “escuta” refere-se a um estado que se encontra além dos sentidos que percebem os fenômenos físicos; é um estado de consciência que sublinha, subjaz e que dá a base à existência do próprio sentido da percepção sensorial auditiva. Todo mundo sabe como é esse estado, porque quando você está realmente ouvindo um som fraco, o que é o estado de consciência que está por trás e que escuta aquele som fraco? É um estado de alerta absoluto e descontraído, relaxado. Assim, quando dizemos escuta, isso é algo útil, pois todo mundo sabe o que significa escutar. Eu estou apenas apontando para o fato de que a percepção sensorial externa não é a essência do escutar, o verdadeiro escutar; a essência da escuta é o estado subjacente da consciência, de receptividade absoluta e presença de alerta, que está por detrás da percepção sensorial auditiva.

É por isso, acredito, que uma das parábolas de Jesus falava sobre um servo que tinha o dever de ficar acordado, em estado de alerta, porque o servo não tem o conhecimento de quando o dono vai voltar para casa. Muitas das coisas de hoje apresentam-se a nós de forma um pouco distorcida, pois foram transmitidas verbalmente, e somente depois disso é que foram registradas; e, nesse processo, certas coisas foram viradas do avesso, e outras desapareceram. Eu acredito que, ao mencionar o servo que esperava pelo mestre, Jesus estava falando sobre uma atitude diferente – um estado de consciência. O servo está esperando em um sentido diferente da coisa normal que chamamos de “espera”, que nada mais é do que a mente dizendo “Quando irá acontecer? Por que ainda não ocorreu?”. O sentido utilizado aqui por Jesus é completamente diferente. Muitas e muitas vezes Jesus fala a respeito da espera, da importância de ficar acordado, alerta. Essa é uma parte muito importante de seu ensino: ficar acordado, não ir dormir, permanecer presente. Assim, todas as palavras que você usar na oração, lembre-se de fazê-lo como ponteiros ou indicadores para isso. Então você poderá dizer verdadeiramente: “Eu estou ouvindo”.

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