QUE LIBERTA A HUMANIDADE
MASAHARU TANIGUCHI
Esta tem sido a questão fundamental, não só do budismo, mas de todas as religiões: se o homem provém de Deus, se o homem é filho de Deus, por que é toldado pelos tormentos da ilusão? É porque ele possui livre-arbítrio. Sendo livre, o filho de Deus tem plena liberdade para escolher a libertação, assim como tem liberdade para limitar a si mesmo. A autolimitação ocorre para ele manifestar sua opinião. Por exemplo, o pintor não consegue pintar no ar, onde impera a absoluta liberdade. É impossível demonstrar criatividade e beleza artística sem delimitar espaço e restringir a liberdade. É preciso material concreto – como tela, papel, painel etc. – sobre o qual delineia-se o fruto do talento criativo, utilizando pincel, ou pena, ou lápis ou giz etc. No momento em que o pintor escolher lápis crayon para manifestar seu talento, ele estará se autolimitando, porque não mais poderá produzir imagem que um pincel ou um giz pastel produziria. Ele só pode expressar seu pensamento e sua criatividade. E, ao escolher entre uma infinidade de alternativas, ele estará se autolimitando.
De acordo com a Seicho-no-Ie, não há diferença em orar a Deus ou a Buda, porque eles constituem o mesmo Criador. Buda, em japonês, escreve-se Hotoke, que tem o sentido de hodokeru, isto é, “desembaraçar”, “tornar-se livre de todos os apegos e ilusões, atingindo o estado de liberdade absoluta”. O fato de conseguirmos atingir o estado de liberdade absoluta significa que já trazemos, por natureza, no nosso interior, essa liberdade absoluta. E, afinal, que vem a ser “absolutamente livre, por natureza”? É o próprio Deus-Pai. Ser onipotente e onisciente é o mesmo que ter absoluta e total liberdade. Por isso, cada um de nós tem liberdade absoluta e “natureza búdica” no estado em que está”, pois traz no seu interior a vida de Deus, a vida de Buda.
Se temos, por natureza, absoluta liberdade desde o início, porque ela não se manifesta, parecendo estar encoberta pela nuvem? Na verdade, não existe nuvem alguma vinda de fora, ocultando nossa natureza de perfeição. Somos nós próprios que impomos uma limitação à nossa liberdade irrestrita, ao exercer a escolha dos nossos atos. Ao pegarmos o crayon na mão, estaremos eliminando todas as outras possibilidades de manifestação, como pintura a óleo, a guache etc. E é dessa autolimitação que nascem as ilusões. As tentações e as ilusões são produtos de nossos próprios atos limitando nossa irrestrita liberdade.
Entretanto, sem a autolimitação ninguém consegue expressar a sua capacidade, o seu talento, as suas emoções, a sua inteligência. Se você vestir um quimono, não conseguirá demonstrar a elegância e a agilidade de uma roupa ocidental. Se vestir um fraque, ainda não será o mesmo que vestir um terno comum. Mas, se despir de tudo e ficar nu, estará absolutamente livre para vestir o que quer que seja. Por isso, o nu é comparado à liberdade absoluta. Adão e Eva viviam nus no paraíso.
Retornar ao estado original, de irrestrita liberdade, foi dito pelo mestre Dôguen como “retorno à origem, de mãos vazias”.
Todos podem vestir aquilo que preferirem, mas é preciso manter a liberdade de se despir a qualquer hora, Esse é o estado chamado de “apegar sem apego”. Assim, você estará nu, mesmo vestindo quimono, pois sente-se livre em despi-lo a qualquer hora e escolher outra roupa. O importante é não se apegar à vestimenta. No momento em que pensar “Tem de ser esta roupa”, você estará se apegando à roupa, perdendo a liberdade.
Nascemos neste mundo carregando um corpo carnal, mas precisamos viver sem apego a ele. Conscientizar que “o corpo não existe” é atingir o estado de despertar espiritual. Quando a Seicho-No-Ie declara que “o corpo não existe”, está aplicando o “modo de vida sem apego”. O mesmo acontece quando ela afirma que “a doença não existe”.
“Como posso aceitar isso? Não está vendo o homem doente? Não está vendo o corpo dele? E toda essa matéria que nos cerca?” – quem diz isto não compreende que estamos nos referindo ao estado mental, à disposição mental de total desapego.
Na hora da morte, teremos de abandonar todos os bens materiais, por maior que seja o nosso apego a eles. A fortuna e o dinheiro são bens momentâneos, que nos foram emprestados durante o curto período de nossa permanência neste mundo. Como eles não nos pertencem, precisamos atingir o estado de “apegar sem apego”. Só assim saberemos manejá-los com sabedoria e total liberdade, investindo quando deve ser investido, gastando quando deve ser gasto. Do contrário, o dinheiro se desvalorizará e perderá sua função, imobilizado por avareza e ganância, sendo que, afinal, seu proprietário será forçado a se separar dele na hora de sua morte.
Quando atingimos o estado de ausência total do sentimento de posse, estaremos inteiramente livres. A liberdade irrestrita nos revelará nossa perfeição original e o mundo ao nosso redor adquirirá uma beleza esplendorosa.
A fundadora da seita Tenri disse: “A água tem sabor de água”. É uma frase simples, mas com profundo significado. Foi dita, quando obedecendo à orientação do seu guia espiritual, ela distribuiu aos pobres a totalidade dos seus bens, ficando absolutamente sem nada. Ao atingir o estado de ausência total do sentimento de posse, ela foi beber água e achou-a com gosto de água.
É preciso esvaziar a mente de todos os apegos e obsessões para sentir profundamente o sabor da água. Se você não o consegue, é porque a sua mente ainda está presa a algo. No momento em que se desapegar de tudo e estiver realmente livre, jorrará a corrente infinita da Vida, tal como uma fonte de água pura, conforme já ocorreu: repentinamente brotou uma fonte de água no quintal da residência do sr. Hashioka, situada no sopé do monte Rokô.
Por que jorra a corrente da sabedoria e da vida? Porque Deus já nos deu a totalidade das coisas. No entanto, obstruímos o canal dessa corrente ao criar obsessões e apegos. Quando a mente se apega a algo, ela impede o livre fluxo da sabedoria infinita que Deus já nos havia dado. Libertando a mente dos apegos e obsessões, desobstrui-se o canal e jorra a água da Vida.
A fundadora da Tenri explicou, tomando água como exemplo: “Quando a água cai no fundo do poço, ela começa a subir”. Caia até o fundo! E então, surgirá um caminho de sobrevivência.
Se alguém não consegue subir, é porque a mente está presa ao ego. “Cair até o fundo” significa abandonar completamente o “eu” egocêntrico com todas as obsessões e apegos e “limpar” a mente. É o estado do “nada”, que constitui a essência de todas as religiões. Jesus Cristo também disse: “Vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu”; e vem e segue-me”; “Renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. É a rendição incondicional a Deus, abandonando todas as posses materiais.
Vender os bens e dar aos pobres não significa absolutamente distribuir dinheiro a pobres. Porque, se o fizer, os pobres ficarão ricos e estes, por sua vez, terão de dar aos pobres e assim sucessivamente, não resolvendo nunca o problema fundamental. “Vende tudo o que tens e dá-o aos pobres” – nesta frase, “pobres” indicam o “nada”, o zero absoluto; a conclamação significa transformar os bens pessoais em “nada”, até o estado de ausência total do sentimento de posse, a fim de poder carregar a cruz e seguir a Verdade, o Cristo.
“Carregar a cruz” simboliza anular porque a cruz (X) também tem o sentido de cancelar, riscar. Quando se anula tudo e atinge o estado do “nada””, ocorre a verdadeira ressurreição. “Cruz” é, ao mesmo tempo, anulação do ego e ressurreição do Eu verdadeiro. Quando a corrente de água cai fundo, produz energia para mover turbinas, nascendo a eletricidade. Ao morrer, renasce. O zen-budismo qualifica esse fenômeno com as seguintes palavras: “a grande morte produz a grande vida”.
Assim, a Seicho-no-Ie traz à luz a Verdade comum existente em todas as religiões. “Atingir o estado do nada” é a essência comum a todos os ensinamentos. O mestre Dôguen, do zen-budismo, foi à China e atingiu esse estado com o famoso “libertar o corpo e o espírito, libertar o espírito e o corpo”. Quem vive obcecado pela seita Tenri, atrairá reação de budistas e cristãos. O zen-budista fanático provocará revolta de fiéis de outras religiões. Manter a mente fixa num só pensamento é o contrário de “reconciliar-se com todas as coisas do Universo”.
A Seicho-no-Ie não se prende a nenhuma religião e, por isso, acolhe adeptos e fiéis de todas as crenças. Ninguém deve abandonar a religião professada pela família, ao receber a luz da Seicho-no-Ie. É importante perpetuar e respeitar a crença dos antepassados, praticando-a. É preciso compreender melhor a essência da religião da família, vivificando os antepassados, que continuam plenamente vivos. Ao conhecer melhor a essência da religião da família, atinge-se a Verdade única e compreende-se que a luz que salva a humanidade provém de uma única fonte. Como as sete cores do arco-íris, a mesma luz se divide em várias tonalidades para poder penetrar melhor entre os homens e salvá-los.